Gazeta de Muriaé
  • Facebook
  • Instagram
  • Twitter

Em 02/07/2013 às 09h42

Entrevista: Eduardo Marques Machado

"O povo brasileiro está se acostumando a participar de processos
decisórios como o do plebiscito e referendo"




Entrevista Eduardo Marques Machado


     Eduardo Marques Machado é professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Faminas Muriaé. Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho – RJ. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, em Buenos Aires.


    Gazeta de Muriaé  - Como funciona o plebiscito no Brasil?

    Eduardo Marques Machado  - O plebiscito é um procedimento de consulta popular efetivado pela Justiça Eleitoral, sendo que dele devem participar todos os brasileiros que estejam em pleno gozo de seus direitos políticos. Segundo nossa atual Constituição, de 05 de Outubro de 1988, existem três formas pelas quais o povo brasileiro exerce diretamente o poder: plebiscito, referendo e a chamada iniciativa popular de projeto de lei. Deixando de lado a iniciativa popular de projeto de lei, que não vem ao caso, tanto o plebiscito quanto o referendo são formas de consulta popular acerca de temas considerados fulcrais para a sociedade. A diferença entre o plebiscito e o referendo dá-se quanto ao momento em que a consulta popular é realizada: no plebiscito, faz-se a consulta popular sobre certo tema e, em seguida, os congressistas passarão a tratar da questão pela via legislativa, isto é, produzindo alguma lei que trate da questão consultada. No caso do referendo, tem-se o contrário: o Poder Legislativo, de antemão, elabora a lei sobre certo tema, porém a eficácia dessa lei, isto é, a sua capacidade se gerar efeitos na sociedade, fica condicionada ao referendo popular; em claro português: para que tal legislação seja oponível a todos será necessária a concordância da sociedade brasileira.


    GM - A presidente Dilma havia dito que convocaria uma assembleia constituinte para fazer a reforma do sistema político brasileiro. O que isso mudaria na constituição?

    Eduardo Marques Machado   - A bem da verdade, a convocação da Assembleia Constituinte é, ao meu entender, inaplicável para se proceder à reforma política que atualmente se pretende. A uma, porque não existe qualquer impedimento constitucional para que ela seja implementada pela via da própria legislação ordinária ou, no máximo, por meio de uma Emenda Constitucional. Não há nada em nossa Constituição que impeça isso. A duas, porque a convocação de uma Assembléia Constituinte liga-se à ideia de uma reforma sociológica extremamente profunda derivada de um movimento social que busca a reinauguração de um novo Estado, e não é isso que queremos exatamente. De uma forma geral, estamos satisfeitos com os valores democráticos e republicanos que inspiram nosso Estado; ninguém questiona a importância da defesa dos direitos humanos; ninguém questiona o valor do voto direto, secreto, universal e periódico – estamos apenas buscando melhorar nosso sistema político. Devo frisar algo importante aqui: não se deve alterar a Constituição quando um tema pode ser tratado pela lei infraconstitucional: isso contribui para a manutenção da estabilidade da Carta Política de um país, e, por conseguinte, das instituições por ela defendidas. Mesmo que a reforma politica demandasse alteração no texto da própria Constituição, ainda assim a convocação de uma Constituinte seria dispensável, na medida em que a própria Constituição previu mecanismos de reforma de seu texto, o que se dá por meio das chamadas Emendas Constitucionais. Em resumo: pode-se perfeitamente implementar a reforma politica pretendida sem a necessidade de convocação de uma Constituinte e isso o próprio governo já entendeu.


GM - Abrir o debate num plebiscito popular é a melhor forma de fazer essa reforma?

    Eduardo Marques Machado   - Penso que o plebiscito não seria a melhor forma. Isso porque, conforme disse anteriormente, o procedimento do plebiscito prevê que a consulta popular se dê antes da elaboração da lei que tratará do assunto debatido. Por exemplo, se se convocasse plebiscito sobre a questão da reforma política, o povo brasileiro seria interpelado sobre certos pontos da questão e isso é democrático, não há dúvidas. Porém, o próprio Poder Legislativo, a quem eventualmente não interessam determinados pontos da reforma (é só pensar que uma reforma política pode significar o fim de certas prerrogativas parlamentares...), terá amplíssima liberdade de tratar dos detalhes do tema, sem que os mesmos sejam novamente submetidos ao crivo popular. Penso, assim, que o ideal seria a implementação de referendo. Porque? Nesse caso, o Poder Legislativo deveria, de antemão, elaborar a lei sobre o tema, delineando todos seus contornos jurídicos; em seguida, aí sim, o povo seria instado a se manifestar sobre esse e aquele ponto especificamente. Com o referendo, o grau de liberdade do legislador é menor e o grau de fiscalização popular é maior, o que é mais saudável democraticamente falando. Provavelmente pensando nisso, o Ministro Aires Brito, em declaração dada em entrevista ao Canal GloboNews, declarou que, enquanto o plebiscito é semelhante a um cheque em branco, o referendo seria mais para um cheque preenchido e assinado, devendo ser endossado ou não pelo povo brasileiro e, justamente por isso, mais apropriado.


    GM - A população está acostumada com este tipo de decisão?

    Eduardo Marques Machado  - Diria que o povo brasileiro está se acostumando a participar de processos decisórios como o do plebiscito e referendo. Estamos ainda longe de poder dizer que somos uma democracia de raízes profundas e solidificadas, como temos, por exemplo, nos Estados Unidos, mas não seria injusto dizermos que estamos no caminho certo. As manifestações populares que tem ocorrido nas últimas semanas, embora, a meu ver, pequem por estar sendo efetivadas de forma um tanto quanto difusa (na medida em que se não se consegue precisar exatamente que pontos estão carentes de reforma), acabam por demonstrar uma renovação da fé do brasileiro no sistema democrático e participativo: isso é cidadania. Possivelmente haverá pessoas que não sejam tão otimistas como eu, e não lhes tiro a razão. Porém, como cidadão brasileiro, e, muito especialmente, por lecionar uma disciplina jurídica que trata exatamente desse processo de organização política da sociedade, não posso deixar de ver com bons olhos esse processo. Gostaria de encerrar essa entrevista me reportando a um fato que de certa forma me marcou: quando cursei Doutorado em Ciências Sociais na cidade de Buenos Aires, isso ainda no ano de 2007, era muito comum, em meu tempo livre, fazer caminhadas pelas ruas e praças da cidade.  Comum e agradável. Numa dessas caminhadas - acredito que na Praça de Maio - vi um cidadão portenho de pé sobre uma caixa, vociferando bravamente palavras de ordem, sendo observado por duas ou três pessoas apenas. Não consegui identificar contra exatamente o que ele se insurgia , mas me chamou atenção o engaje político daquela pessoa. Aí, fiz o comentário com um amigo meu: será que no Brasil alguém protestaria com tamanha convicção, ainda que diante de duas ou três pessoas? Será que nosso povo teria todo esse engajamento político? A pergunta ficou no ar. Eu até pensei que não... Porém, esses últimos acontecimentos metem feito pensar que as coisas talvez estejam mudando. Vamos aguardar e torcer para que essa mobilização não seja em vão e que ela possa, de alguma forma que ainda não vislumbrei, ser importante para a construção de um país melhor.




Autor: Gazeta de Muriaé

Fonte: Gazeta de Muriaé



Gazeta de Muriaé
HPMAIS