Gazeta de Muriaé
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Em 09/02/2009 às 14h26

ANTES QUE A BANALIDADE DO MAL TOME CONTA ...

ANTES QUE A BANALIDADE DO MAL TOME CONTA DE NOSSAS VIDAS

Hanna Arendt, conhecida como a pensadora da liberdade, viveu as grandes transformações do poder político do século 20, formulando o conceito da banalidade do mal.

Volta-e-meia, estou constantemente a reler obras dela e sobre ela, para tentar compreender esta onda de violência por que passamos em nossos dias.

Aliás, a pensadora dizia que compreender significa enfrentar sem preconceitos a realidade, e resistir a ela, sem procurar explicações em antecedentes históricos.

Este pensamento de Arendt, por mais claro que seja, ainda assim me chocou menos do que a notícia que li pela Internet há alguns dias, dando conta de que o Tribunal de Rottweil, no sul da Alemanha, condenou a três anos e meio de prisão uma mulher de 21 anos que matou seu bebê, uma menina recém-nascida, ao colocá-la no congelador.

Ela havia confessado que pôs a filha no frigorífico, alegando que achava que ela já estava morta, mas o tribunal não se convenceu por esta versão e considerou que a acusada simplesmente quis se desfazer do bebê.

A mulher ainda disse, durante o julgamento, que nem sequer tinha dado conta da gravidez, até ter as contrações. Após dar à luz a menina, em maio, ela colocou-a em uma bolsa de plástico e, depois, no congelador.

Segundo a necropsia, o bebê faleceu meia-hora após o nascimento, por asfixia.

O tribunal observou como atenuante as dificuldades pelas quais passava a mulher, já que seu namorado de 31 anos tinha lhe repetido várias vezes, freqüentemente a gritos, que não queria filhos.

Foi isto, em poucas linhas, o que li. Já com 66 anos, tendo vivido o bastante para ver muita coisa triste em minha vida, ainda assim, o fato abalou-me, embora tenha acontecido a milhares de quilômetros de onde me encontro a escrever estas linhas.

Como se viu, a autora do crime é uma adolescente de 21 anos apenas. Sua sensibilidade deve ser mais fria do que o congelador em que colocou, viva ainda, a própria filha.

Não sei aonde vamos parar com isso tudo. De quem é a culpa? Ninguém sabe, ninguém, viu, ninguém assume.

A juventude de hoje, exacerbada e instigada pelo apelo insistente à violência através de ritmos que dominaram o cenário musical (?) brasileiro, deixa-se levar qual cordeiro manso, sem a mínima reação, ao matadouro dos sentimentos e valores nobres.

Os pais, estes alegam não ter mais domínio sobre os filhos. Estes últimos chegaram ao ponto de desconhecer limites e perder inteiramente o respeito aos mais velhos, aos pais, à sociedade, às autoridades, até a si mesmos.

As drogas imperam, soberanas. A polícia faz o que pode. E nos vamos imergindo cada vez mais neste poço sem fundo.

Os dois assassinatos recentes em nossa cidade, que abalaram profundamente a população, dado o  requinte de crueldade e maldade de que se revestiram, nos dão conta de que a coisa está feia.

Uma jornalista brilhante e uma professora dedicada foram brutalmente mortas, numa estarrecedora demonstração de violência.

A todo dia, as emissoras e jornais da cidade, em seu noticiário policial, nos dão conta de outros delitos, agressões, furtos, roubos, violência, maus-tratos, que se vão somando, dia-a-dia, numa perigosa adição cada vez mais crescente de atos de puro sadismo gratuito, como se um bando de psicopatas tivesse invadido e dominado a sociedade para satisfazer sua fome de poder, mando e controle social.

Brandura, mansuetude, tranqüilidade, suavidade, justiça, afeto,  entendimento, compreensão, amor, mansidão, afabilidade, doçura, calma, equilíbrio, amenidade, moderação, meiguice, ternura, afeição, serenidade, cortesia, delicadeza, amabilidade, estima, generosidade, carinho, amizade, paz.

Fico a pensar se todos estes substantivos, que alinhei no parágrafo acima, são realmente nomes abstratos ou se chegamos ao ponto crítico de tê-los abstraído definitivamente de nossa passagem existencial por este planeta de dores e provação em que vivemos.

Ninguém suporta mais esta situação em que todos mergulhamos e na qual nos debatemos, já quase sem esperança.

Creio que chegou a hora de se empreender uma enérgica reconquista daqueles valores que estão a se perder sem controle.

E torná-los concretos, o mais rápido que se possa, anteontem, se possível, antes que seja tarde demais.

Autor: Luiz Gonzaga

Fonte: GAZETA DE MURIAÉ



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