Em 19/03/2008 às 19h09
Brasil, minha voz enternecida / Já dourou os teus brasões
na expressão mais comovida / das mais ardentes canções
As estrofes acima, que antecedem ao conhecido refrão “No céu!/ No mar!/ Na terra!/ Canta Brasil!”, fazem parte de uma das mais conhecidas composições da música popular brasileira, escrita pelo muriaeense Alcyr Pires Vermelho, em parceria com David Nasser, em 1941.
Mais do que um samba-exaltação, a música “Canta Brasil”, regravada meio século depois, por nomes como João Gilberto e Gal Costa, contribuiu para tornar a figura de seu compositor reconhecida em muitos lugares do mundo. Em mais de 60 anos de carreira, foram dezenas de sucessos, como “A dama das camélias”, “E eu sem Maria”, “Paris”, “Prece ao vento” e “Tic-tac do meu coração”, imortalizada na voz de Carmem Miranda.
Por seu talento e facilidade em escrever, Alcyr era visto no meio artístico de sua época como um “apadrinhado dos deuses”, ou, segundo Heitor Villa-Lobos, “um descobridor de melodias”. Infelizmente, em sua tão querida Muriaé, o compositor ainda não recebeu o devido reconhecimento, a não ser em 2006, quando a Fundarte realizou, na Praça João Pinheiro, uma bela homenagem pelo centenário de nascimento do músico.
A obra de Alcyr Pires Vermelho é imensa, passando por vários estilos e parcerias, o que reforça o lamento de que tão pouco exista, em nosso município, para fazer jus à sua memória: “Todos sabiam que o Alcyr era um talento, um dom de Deus para criar melodia. E aqui em Muriaé, você vai às escolas, pergunta aos alunos, e ninguém sabe quem ele foi... No Bairro BNH até existe uma rua secundária com o nome dele, mas nós não temos uma rua principal para homenageá-lo, nem um monumento, praça central, viaduto, parque de exposições, escola ou bairro”, explicou o professor de História, Fernando Antônio de Oliveira.
No intuito de resgatar essa memória fundamental para Muriaé, Fernando acaba de lançar a revista “Nosso Patrimônio”, cujo primeiro número foi totalmente dedicado ao imortal Alcyr Pires Vermelho: “O objetivo desta edição é torná-lo tão conhecido quanto sua obra, porque se você falar em “Tic-Tac do meu Coração” e “Canta Brasil”, todo mundo conhece; agora, é um caso não muito raro em que a obra é bem mais conhecida que o autor... Então, nosso objetivo a partir de agora é tentar tornar o autor tão conhecido quanto à obra”.
O lançamento de “Nosso Patrimônio” aconteceu na noite de sexta-feira, 14 de março, no Teatro Zaccaria Marques, com um coquetel patrocinado pelo Centro Cenecista Educacional de Muriaé (CCEM) e apresentação do coral dos alunos da Escola Pinguinho de Gente. Concebida em 2004, a revista foi concretizada graças à Prefeitura, através da Fundarte, a partir da Lei de Incentivo Municipal. “Além destas parcerias, só tivemos o apoio efetivo de mais uma empresa, a Fidens Engenharia S.A., que nem é de Muriaé: é de Belo Horizonte. Nos últimos três anos, eu perdi a conta das vezes em que estive em salas de empresas daqui da cidade buscando patrocínio e não consegui... Então, eu espero que, para o próximo número, a gente tenha mais facilidade em encontrar patrocinadores”, revelou Fernando.
Para ele, ainda falta uma consciência de apoio cultural na cidade, o que dificulta o desenvolvimento de muitas manifestações artísticas: “É a cultura que interliga as pessoas, que cria uma identidade local, mas, infelizmente, muitas vezes, você chega a uma empresa para pedir patrocínio para cultura e as pessoas acham que isso não tem importância. No entanto, a empresa que tem seu nome associado à cultura, vende muito mais e tem uma imagem muito melhor”.
Entre entrevistas, pesquisas, análise de áudios, vídeos, fotos e documentos variados, Fernando levou quase quatro anos de trabalho. Mas o empenho valeu a pena, pois além da revista, com tiragem de 1.500 exemplares, ele lançou uma página na internet, também voltado para a obra de Alcyr (http://alcyrvermelho.blogspot.com). “Nosso Patrimônio” encontra-se à venda nas bancas de Muriaé e também será distribuída nas entidades educacionais.
Para o próximo número, o agora também editor, professor Fernando, já revela três nomes - o ator Pedro Bismarck (Nelson da Capetinga), a estilista Suely Gerhardt e o Zaccaria Marques (que dá nome ao Teatro da Fundarte): “Inicialmente, eu iria fazer uma edição somente com o Pedro Bismarck, mas ele disse que ainda está no meio da trajetória dele, ao passo que o Alcyr já teve sua própria trajetória e, por isso, preferiu que outras pessoas também estivessem no próximo número. Já a Suely, eu pude conhecer durante uma exposição dela aqui na Fundarte. Ela trabalha com fantasias para escola de samba e faz figurinos para a Rede Globo”, justificou Fernando.
Não há como negar que a divulgação de personalidades da nossa terra contribui para o engrandecimento cultural, mas vale lembrar que este é um dever que cabe não apenas aos educadores, historiadores e empresários, mas sim, a todos os muriaeenses. “Em relação ao Alcyr, eu espero que os conjuntos musicais e as rádios também colaborem mais com a música dele. A revista, com certeza, vai melhorar a identidade cultural muriaeense e permitir a identificação das pessoas com os ícones e personalidades. Divulgar a cultura é criar raízes e uma arvore não fica em pé sem raízes. Portanto, se a raiz for fortalecida, a cidade toda ganha com isso. Acredito que, quando a gente mostra a história de alguma personalidade, as pessoas se interessam em saber mais. Essa revista é o ponto de partida para começar esse movimento de reconhecer as personalidades culturais de Muriaé”, finalizou Fernando.
Quem foi Alcyr Pires Vermelho?
Alcir Pires Vermelho, compositor, nasceu em Muriaé, em 08 de janeiro de 1906 e faleceu no Rio de Janeiro em 24 de maio de 1994. Aprendeu piano primeiro com a mãe e, depois, com o professor Amadeu Pacífico, que lhe conseguiu um emprego de pianista no cinema de Muriaé.
Começou a tocar em festas, no estilo jazzístico, que era moda na época. Aprovado num concurso para bancário do Minas Bank, foi transferido para Carangola, onde organizou uma orquestra, da qual participavam o violinista Pessoa e o trombonista Passarinho.
Trabalhou ainda, como bancário, em Rio Casca, também em Minas, época em que conheceu Ary Barroso e sua tia Ritinha, com quem teve aulas de música. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1929, e foi aprovado em concurso para trabalhar no Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais. No Carnaval de 1933, conheceu Lamartine Babo, a quem muito admirava, fazendo com ele, para o Carnaval do ano seguinte, sua primeira música, a marcha “Dá cá o pé...loura”. Além de atuar como pianista na Rádio Clube do Brasil, Alcyr também tocava em casas noturnas e clubes.
Com Walfrido Silva compôs seu primeiro grande sucesso, o samba “O tic-tac do meu coração”, gravado por Carmen Miranda em 1935. Três anos depois, a cantora gravou sua marcha “Paris” (com Alberto Ribeiro), dedicada aos futebolistas brasileiros na Copa de 1938. No Carnaval de 1939, sua marcha “A casta Suzana” (com Ary Barroso) teve grande êxito, na voz de Deo. Em 1942, compôs a valsa “Alma dos violinos” (com Lamartine Babo), gravada por Morais Neto, e, em 1957, compôs o samba “Laura” (com João de Barro), gravado por Jorge Goulart.
Muitos de seus sucessos foram lançados por Francisco Alves: “Dama das camélias” (com João de Barro), “Onde o céu azul é mais azul” (com João de Barro e Alberto Ribeiro), “Sandália de prata” e “A dama de vermelho” (ambas com Pedro Caetano), “Sob a máscara de veludo”, “Canta Brasil”, “Esmagando rosas” e “A mulher e a rosa” (estas quatro com David Nasser). Alcyr Pires Vermelho usava, esporadicamente, o pseudônimo A. Romero.