Em 09/11/2007 às 10h53
Embora as fraudes do leite detectadas nos últimos dias tenham ocorrido em localidades distantes de Muriaé, não há dúvidas de que o mercado da Zona da Mata irá sentir seus efeitos - se já não estiver sentindo. De fato, o consumo do leite UHT, longa vida, o popular leite de caixinha, já teve uma considerável redução nos últimos dias, o que preocupa as autoridades, entidades de classe e empresas do setor.
Para o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo de Mello, a descoberta das fraudes no leite produzido em Minas Gerais não passa de “meros registros policiais”. Ele considera que, após a confirmação de adulteração do produto, a quadrilha presa pela Polícia Federal é um problema particular e disse que a situação não pode ser generalizada. Realmente, há que se ponderar sobre o fato, já que não se podem punir inocentes pela culpa de alguns.
A Gazeta de Muriaé procurou mensurar a repercussão, no município, dos efeitos desta crise. Para tanto, procurou representantes das diversas fases da cadeia produtiva do leite.
Para começar, é importante que se saiba que a adulteração não ocorreu apenas no leite longa vida, como esclarece o gerente de Política de Leite do Laticínio Santa Rita, Romildo Júnior: “A cooperativa de Passos, uma das autuadas, repassa o leite - compra dos produtores e vende para outras empresas. Ela não produz leite longa vida; o leite era adulterado lá, mas era vendido para outras empresas, e empresas que não produzem leite longa vida. Já a cooperativa de Uberaba, era uma empresa maior, e produzia leite longa vida, mas o mercado deles não é a nossa região, destina-se ao Rio de Janeiro e a Vitória, que são mercados também consumidores de produtos da região de Muriaé”.
Vale lembrar, ainda, que o processo de adulteração do leite não tem nada de novo: “Infelizmente, isso já vem acontecendo há alguns anos. Não podemos radicalizar e falar de todas as empresas, mas eu tive uma experiência muito grande, porque fui presidente do Sindicato Rural no ano de 2003 e, assim que tomei posse, foi feita a CPI do Leite, sendo já naquela época detectada uma fraude”, revelou o ex-presidente do Sindicato Rural de Muriaé e um dos maiores produtores de leite da região, Manoel Teodoro Pereira de Carvalho Filho (Tininho Carvalho).
Tininho contou que abraçou a causa e levou adiante a luta pela qualidade do produto: “Eu peguei firme neste trabalho e fiquei muito triste porque o produtor rural produz um leite puro, nós somos fiscalizados todos os dias e, se houver alguma coisa fora do padrão - seja na acidez ou a presença de algo estranho -, o leite é descartado na hora. Infelizmente, o governo não tinha uma fiscalização intensa nos laticínios e, então, apareceram os oportunistas e acabaram prejudicando todo o setor e também a população”.
Apesar de sua atuação consciente à frente do Sindicato, visando à qualidade do leite, o produtor não teve a devida consideração das autoridades competentes: “Fui até o presidente da FAEMG e fiz um pronunciamento denunciando esta fraude. Na época, também foi constatado que, em Goiás, havia leite adulterado. Mandei carta para o presidente Lula, para o presidente do Congresso, tive a oportunidade de ir a Brasília com o deputado Lael Varella e participar de uma audiência pública, e eu não sei por que, o governo não deu a atenção necessária à nossa denúncia. E olha que eu não estava falando em vão, tinha todas as provas à mão... Depois disso, fizemos um manifesto com o Nelson Carvalho e com o Paulo Carvalho, denunciamos juntos e mandamos para todos os órgãos - FAEMG, Federação da Agricultura, Congresso, Ministério da Agricultura - para o Presidente da República e não aconteceu nada... Ainda fui chamado de radical. E hoje, está aí a prova de que eu estava falando a verdade”, desabafou Tininho Carvalho.
Naquela época, o único apoio encontrado por ele foi na Câmara de Vereadores de Muriaé, através dos vereadores Helena Carvalho, Pastor Antônio Augusto, Dr. Genir Carneiro, Dra. Zélia Couri e o então presidente da Casa, Telmo Braga, que o agraciou com uma Moção de Congratulação e Aplauso pela atitude.
Para Tininho Carvalho, a situação não pode ser radicalizada, é preciso analisá-la de forma consciente: “Temos bons produtos no mercado, inclusive em Muriaé, que é uma bacia leiteira muito importante e aqui temos leite de excelente qualidade. Acredito que, agora com o Ministério Público entrando no negócio ao lado da Polícia Federal, se Deus quiser, a atividade será moralizada. Infelizmente, mais uma vez, a conta vai cair em cima do produtor porque, com estas notícias, as donas de casa e o consumidor em geral estão preocupados e retraídos”.
Uma decepção
A fiscalização em relação ao produtor rural é constante, realizada diariamente. Assim que o caminhão de coleta chega à propriedade, é feita uma análise do leite que, se caso apresente alguma diferença, é condenado.
Para atender às exigências do Governo, foi preciso que o produtor fizesse um investimento considerável, de forma a adaptar-se à Normativa n.º 51, que trata de diversas mudanças na ordenha e armazenamento do leite na propriedade. “Antes de ter que resfriar o leite, eu gastava muito pouco de eletricidade. Hoje, gasto mais de R$ 4.000,00”, disse Tininho.
Mas os investimentos valeram à pena, pois o leite produzido na região tem o crédito de muitas indústrias e dos consumidores. “A bacia leiteira de Muriaé é uma das mais expressivas de Minas Gerais. O leite é o principal produto da agricultura do nosso município; a maioria dos pequenos produtores vive dessa renda. Então, eu diria que o leite é um produto que tem uma importância sócio-econômica muito grande em nossa região. Por causa desta bacia leiteira, várias indústrias de laticínios se estabeleceram aqui e hoje Muriaé, além de ser uma região produtora, é um pólo da pecuária de leite, no qual se concentram grandes laticínios, que colocam este leite nos principais centros consumidores do país”, ressaltou o secretário de Agricultura de Muriaé, Francisco Ofeni Silva.
O secretário também comentou os reflexos da crise do leite: “A nossa região toda investiu em leite, os produtores acreditaram e se modernizaram. Aconteceu um trabalho de associativismo, com instalação de tanques de resfriamento de leite, um trabalho de assistência técnica, de investimento na pecuária e na inseminação artificial, enfim, na qualidade. O produtor fez a parte dele para colocar um produto de qualidade no mercado e, no meio do caminho, começa a aparecer esta fraude. Isto é uma coisa muito preocupante, que vem prejudicar, principalmente, o produtor rural que está numa fase difícil”.
A saída
Será que existe uma saída para uma situação complicada como esta? Francisco Ofeni aponta: “Uma maior fiscalização por parte do Poder Público, principalmente do Ministério de Agricultura para monitorar e acompanhar de perto o que vem acontecendo no nosso país, para que, nem o consumidor e nem o produtor, sejam prejudicados”.
Para o produtor rural da Fazenda São Domingos, Eugênio Carlos Lacerda de Andrade, a solução também está no próprio produtor: “Eu acho que, agora, os órgãos fiscalizadores, que tomaram conhecimento desta fraude, continuarão fiscalizando, e nós, os produtores, que somos a parte interessada, temos que cobrar mais dos órgãos competentes. A esta altura, o maior prejudicado é o produtor rural; nós procuramos nos adequar à Normativa 51 e estamos trabalhando para isso. Nossos produtos estão sendo fiscalizados nas propriedades todos os dias e, a partir daí, não sabemos o que acontece”.
Altos custos do leite
Eugênio também falou sobre a crise e ressaltou que o aumento dos custos dos insumos é preocupante para os produtores, que estão, apesar das chuvas, vivendo os impactos de uma seca muito severa: “As rações subiram muito, praticamente 50%, ao passo que houve uma queda de R$ 0,30 por litro de leite”.
“O que a gente fica discutindo é o tempo que esta situação vai durar. Eu vejo com dificuldade pelo lado do produtor, porque quantos caminhões de cana estavam chegando a Muriaé durante os últimos 40 dias, por falta de comida devido à seca e quanto subiu o concentrado (ração)... Então, o custo de produção do leite está muito alto e uma queda de consumo, e conseqüente queda de preços, vai afetar muito o produtor; eu não sei quanto tempo ele vai suportar esta situação. Uma crise como esta do leite afeta o setor inteiro - o produtor rural, a indústria que trabalha sério e o consumidor, que bebe leite porque gosta”, completou o gerente de Política de Leite do Laticínio Santa Rita, Romildo Júnior.
Em concordância, o presidente do Sindicato Rural de Muriaé, Paschoal José Trota, afirmou, ainda: “O produtor entrega qualidade e se alguma indústria não está distribuindo qualidade, precisa ser verificada. O leite da nossa região tem qualidade, não tem nenhum lote de leite devolvido, não tem nenhum anúncio de leite adulterado dos laticínios da nossa região”.
Leites da Região aprovados em BH
No último sábado, 03 de novembro, em Belo Horizonte, foi divulgado o resultado dos leites aprovados pela Secretaria Municipal, que coletou 45 amostras. O leite Santa Rita passou nestes testes, juntamente com mais duas empresas da região. “Os consumidores podem beber nosso leite. O leite Sarita é um leite confiável, os meus filhos bebem e os filhos dos nossos patrões bebem. É um produto feito com muita qualidade, porque a qualidade é a nossa grande meta. O consumidor tem que ser respeitado, o produtor de leite tem que ser respeitado e de todos os lados temos que trabalhar para que o leite volte ao patamar que sempre teve”, garantiu Romildo Júnior.
A Cooperativa Agropecuária do Sudoeste Mineiro (CASMIL) recebe em média, diariamente, 60 mil litros de leite. Por sua vez, a COOPERVALE recebe uma média diária de 200 mil. Sozinho, o Laticínio Santa Rita recebe cerca de 200 mil litros dia, produzindo 20 mil em queijo e 180 mil em leite UHT longa vida. Muriaé possui ainda vários outros laticínios e uma bacia leiteira que gira em torno de 500 mil litros de leite por dia. No Brasil, são produzidos anualmente cinco bilhões de litros de leite longa vida de uma produção de 24 bilhões de litros leite.
O que está sendo feito em Muriaé
O escritório do Ministério da Agricultura em Muriaé se negou a prestar qualquer informação sobre o assunto, alegando que o secretário de Agricultura seria a única pessoa autorizada a falar sobre o fato.
O secretário de Agricultura do município, Dr. Francisco Ofeni afirmou que, na última semana, fiscais do Ministério da Agricultura estiveram nas principais empresas da cidade reforçando vistorias, que já vinham sendo feitas rotineiramente pelo órgão: “Os fiscais levantaram desde a parte administrativa até a produtiva e, a princípio, não encontraram problemas que pudessem comprometer a qualidade dos produtos oferecidos por essas empresas”.
Na quinta-feira, 1º de novembro, os funcionários do Ministério da Agricultura, acompanhados de um funcionário da Vigilância Sanitária, coletaram várias amostras de leite UHT em mercados da cidade para serem enviadas ao laboratório credenciado na cidade de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais. As análises verificarão se existem alterações que possam comprometam a qualidade do produto vendido em Muriaé. “É importante que o consumidor não se alarme enquanto não se apurarem todos os fatos, até porque não foi detectado nenhum problema no nosso município”, alertou o secretário de Agricultura.