Em 26/04/2007 às 17h28
De qualquer ponto da praça João Pinheiro é possível admirar a imponência da fachada do Grand Hotel Muriahe, edifício centenário e histórico, erguido em pleno apogeu da cultura cafeeira.
Construído entre 1900 e 1904, por iniciativa do comerciante português Antônio Ventura, então morador da cidade – à época ainda chamada de São Paulo de Muriahé -, o Hotel trouxe valiosíssimas influências econômicas para a região. Em seus dois pavimentos, funcionavam lojas, restaurantes e lanchonetes, por onde circulavam diversos turistas e hóspedes.
Em 1980, a cidade perderia o seu famoso ponto de encontro, local de bailes e reuniões. Ainda propriedade da família Ventura, o imóvel deixou de funcionar como hotel, devido a seu mal estado de conservação e desgaste, mantendo apenas os estabelecimentos comerciais do térreo.
Não bastassem as intervenções inadequadas que danificaram ornatos e impediram a visibilidade do Grand Hotel Muriahe, a cidade assistiria, ainda, em 25 de fevereiro de 1998, a uma cena jamais imaginada: o imponente prédio em chamas. O incêndio, cujas causas até hoje são desconhecidas, abalou a construção e o município. Todas as lojas e bares foram destruídos, assim como o piso, telhado, forro e grande parte da fachada. Restaram apenas as ruínas que, mais tarde, serviriam de base para o atual projeto de restauração.
A retomada dessa história do Grand Hotel não configura um saudosismo. Na verdade é uma preparação para o futuro, para que os muriaeenses possam estar prontos para reviver uma época culturalmente e economicamente grandiosa, haja vista que transformar Muriaé em um pólo artístico-cultural é um dos grandes objetivos da atual administração.
Com seus 40m de frente e cerca de 100m de fundo, o prédio, que ocupa mais de 4 mil metros quadrados de área, não poderia passar despercebido aos olhos daqueles que vêm trabalhando em prol da preservação do patrimônio histórico e da formação cultural da população. “Acreditamos que a cultura representa uma rede de significados valiosos para a vida humana e, por isso, ficamos felizes em entregar à população de Muriaé esse importante acervo de sua arquitetura secular”, disse Gilca Porcaro, superintendente da Fundarte.
Fachada pronta e próximos passos
Na última terça-feira (24), durante uma coletiva, a Administração 2005-2008 anunciou o término das obras de restauro da fachada do “Palacete Ventura” – 1a fase do projeto de resgate do Grand Hotel para transformá-lo em espaço cultural.
Mantida sua arquitetura original, o local irá abrigar as instalações da Escola de Artes Visuais Moacyr Fenelon, o Museu de Muriaé, com o acervo permanente do Memorial Municipal, a Galeria de Arte, o Centro de Informações Turísticas e mostras do Memorial da Fundarte e da Fundação Henrique Hastenreiter.
O projeto, iniciado em julho de 2006, é resultado de uma parceria entre o poder público e o setor privado, da qual participam a Prefeitura de Muriaé, a Fundarte, o Governo Federal, o Governo Estadual, o Ministério do Turismo, a Secretaria de Cultura do Estado, a Lei de Incentivo à Cultura (ICMS), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a família Ventura (proprietária do imóvel) e seus representantes legais.
Também apóiam o projeto a Caixa Econômica Federal, a Companhia Força e Luz Cataguazes–Leopoldina e as Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais (Usiminas).
Mas até que a Prefeitura de Muriaé pudesse dar início à “obra” e colocar a mão na massa, um longo caminho teve que ser percorrido, como lembra Gilca Porcaro: “Quando a Administração 2005/2008 iniciou seu trabalho e eu entrei na Fundarte, nós recebemos uma carta dizendo que teríamos que fazer uma prestação de contas ao Ministério Público porque essa obra não havia sido concluída, embora outra administração já houvesse tomado uma verba tanto estadual, de empresas, quanto através da Lei Rouanet. Isso tudo nos colocou em uma situação muito complicada, mas o prefeito José Braz não abriu mão de que o Grand Hotel viesse a se transformar em Centro Cultural da cidade, o que também foi sua promessa de campanha. Muitas vezes estivemos em Belo Horizonte para tentar resgatar essa situação. A partir do momento em que descobrimos o problema que havia ocorrido com as notas fiscais antigas - que resultaram na paralisação da obra -, e resgatamos a parte documental do Grand Hotel, nós partimos para fazer projetos arquitetônicos que enviaríamos ao Ministério da Cultura e à Secretaria de Estado. O projeto foi aprovado nas duas instâncias e, daí, passamos a ter direito a trabalhar com as empresas parceiras através da Lei de ICMS Cultural. Tivemos também um apoio muito grande do Ministério do Turismo, que entendeu que o Grand Hotel, além de Centro Cultural, seria um ponto de apoio turístico muito importante para a cidade”.
O processo de restauro, realizado por técnicos especializados, foi bastante trabalhoso, pois o desgaste da edificação era muito grande. Sem dizer que a fachada original, cujo projeto de autoria ainda é desconhecido, foi erguida com argamassa e não com cimento, o que exigiu um cuidado maior, além do uso de produtos específicos.
Este projeto de restauro é um trabalho inédito em nossa cidade e região. Ele segue uma metodologia básica, que levou em conta as cartas de restauro internacional. Começamos com análise da argamassa das fachadas porque, na época da construção, ainda não havia cimento; então, não poderíamos colocar qualquer argamassa que ela seria rejeitada. Com o resultado desta análise, a argamassa foi toda quase que praticamente trocada, preservando o traço original da edificação. No caso dos ornatos enfrentamos os mesmos problemas, pois a maioria estava bem porosa. Houve consolidação com a aplicação de injeção de seringa com cal, com um produto específico, até que todos os poros fossem preenchidos. No caso dos elementos faltantes ou que estavam muito degradados, foram feitos moldes e próteses, além da aplicação com pinos galvanizados – para não enferrujarem futuramente”, explica a arquiteta Márcia Bizzo.
Também muito cuidadosa foi a restauração da face interna da fachada frontal, onde os técnicos encontraram grande degradação biológica. Seguindo os parâmetros do projeto, que indica que fiquem tijolos aparentes para mostrar o sistema construtivo português, foram feitas próteses de tijolos que, fixadas com pinos, receberam a aplicação de herbicida e fungicidas para evitar futuros danos naturais.
Para a conclusão do restauro, faltava a pintura: “Fizemos as prospecções estratigráficas, com a técnica do IEFA, em cores, que também nos ajudou na consolidação da argamassa. A cor original, na época, era feita à base de cal e, portanto, nós não poderíamos utilizar as tintas atuais, pois teríamos problema de rejeição devido à falta de cimento no sistema construtivo. Então, a cal permite que a parede respire e, por isso, é indicado nesses casos de restauro. Assim, terminamos as três fachadas e estamos finalizando esta etapa”, comemora Márcia.
Cerca de R$ 200 mil foram gastos no projeto, mas para o prefeito José Braz valeu a pena, pois agora o Grande Hotel pertence, em parte, ao município. “O mais importante agora é que o município tem direito a dois pavimentos desta edificação e essa aquisição foi feita financeiramente, foi comprada, sem desapropriar as pessoas e nem deixando brechas para que, depois, a família viesse brigar por seus direitos, querendo tirar recursos municipais.
Nós não trabalhamos assim; nosso trabalho é feito com seriedade, pagando para adquirir o que é patrimônio alheio. Essa é a nossa determinação e não poderia ser diferente em relação a uma obra que, para nós e para Muriaé, é muito importante. Ela foi iniciada por outros prefeitos, mas não foi finalizada; então, nós estamos empenhados em terminá-la dentro de nosso governo”, justificou.
Quanto ao trabalho interno a ser realizado, o começo, segundo a arquiteta Márcia Bizzo, foi executado em anos anteriores, com a colocação de uma estrutura em aço para consolidar a edificação. Para o acabamento estuda-se a instalação de uma área, no 2o andar, para abrigar o Museu de Muriaé, que irá apresentar acervo permanente do Memorial Municipal e da Fundação Hastenreiter e uma sala de exposições temporárias. Ainda neste espaço será erguida uma réplica de uma antiga venda de café (o café do museu) e um terraço, aproveitando a cobertura da rampa. No 3o andar, serão construídos uma oficina de artes plásticas, um auditório e uma sala de coordenadoria de patrimônio da Fundarte. O 1o piso será reservado para a família Ventura, que pretende instalar ali algumas lojas.
A verba para a estruturação interna será disponibilizada pelo Ministério de Turismo: “A cidade irá se tornar um pólo regional de turismo cultural. Na medida em que exista aqui um Centro Cultural, com apresentações musicais e exposições cotidianas, atendimento ao publico em geral, informações turísticas, o Ministério entendeu a grandiosidade dessa obra e nos repassou uma verba”, justifica Gilca Porcaro.
A fachada reformada marca o início do projeto “Centro Turístico e Cultural” no qual se pretende transformar o Grand Hotel. Mais que o resgate de um patrimônio cultural, trata-se de uma revitalização da própria praça João Pinheiro, a principal da cidade, que retomará seu papel de destaque no município. “Espero que com esse Centro possamos fomentar a área cultural, atraindo novos investimentos, ampliando o mercado com novos profissionais na área de artes plásticas e novas pesquisas de historiadores, para que tenhamos um retorno econômico e cultural gratificante. Além da revitalização urbana da praça João Pinheiro que, há dois, era uma área totalmente degradada, bem aqui na frente do Grand Hotel, tomada por camelôs e população de rua”, diz Márcia Bizzo.
Sem dúvida alguma esta é uma iniciativa grandiosa, fomentadora de novas oportunidades para o município, com mais possibilidades de emprego e de empreendedorismo na região, além da preservação da cultura e da história de nosso povo. O término da obra está previsto para o início de 2008, quando o Grand Hotel Muriahe voltará a abrir suas portas para a visitação pública.