"Idiotas de estrada gostam de urinar em morrinhos de

formigas. Apreciam de ver as formigas correndo de um

canto para o outro, maluquinhas, sem calças, como as

crianças. Dizem que estão infantilizando as formigas.

Pode ser"   

Manoel de Barros, in: "O guardador de águas", (1989)

E aí?!!

(...) ???

Alguns urinam e sorriem. Relaxante e engraçado.

Outros, urinam se aliviando como se despejasse um míssil. 

Tem aqueles que urinam no formigueiro e nem percebe. Automático. Nem se dão ao trabalho de olhar para as formigas. Está a uma distância segura, certamente.

Mas o prazer, mesmo inconsciente, está presente em qualquer um dos casos. Um prazer gratuito. De liberdade, seja lá o sentido pessoal dessa palavra para cada qual que "esteja tirando a água do joelho". Um gozo, um gemido, um sussurro, até um urro, sempre sai ou ecoa.

Homens adultos - sozinhos ou "ensinando a tradição para o menino" - parecem querer brincar com as formigas quando urinam no formigueiro. Acreditam mesmo nisso. Brincar de torturar. 

Uma brincadeira injusta. Mas, quem disse que as brincadeiras são sempre inocentes, socializantes, coisas sem importância? A questão do poder quase sempre está colocada nas brincadeiras. De adultos e crianças.

Pelo menos, deveríamos pensar sobre isso.

Temos o costume de não darmos valor (desprezar) a tudo que supomos que "tem demais", seja na natureza ou na nossa vida particular. Aprendemos assim. Se destruímos fontes d'água e poluímos ribeirões, lagos, lagoas, rios e mares, que são fontes da vida, imagina qual mal que há em urinar num formigueiro? 

O poema de Manoel de Barros me coloca naquela situação de que "a dúvida é o remédio para a certeza". Quem sabe as formigas até curtam a brincadeira e extraiam algo positivo das urinadas.

Mas...

Imagina se, numa sociedade humana, quem está na posição daquele que urina no formigueiro, enxerga o restante de nós como formigas! Como simples formigueiro-privada onde se pode e deve defecar, urinar, cuspir e jogar os restos do papel higiênico?

E se a maioria de nós nos vemos enquanto membros de um "formigueiro social"?

Normal? A vida é a lei do mais forte? Fracos não vivem. Podem até sobreviver. Prosperar jamais? É assim que é, meu camarada?!!! A natureza é assim? É o sistema? Dá seu jeito, formiga!!???