Democracia pressupões transparência. Em quaisquer circunstâncias, a população tem o direito de ter acesso às informações, seja no tocante aos gastos e investimentos públicos, às pautas das matérias que estão tramitando pelos poderes públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário), às dotações orçamentárias executadas e em execução, aos processos licitatórios, entre outros. Seja no âmbito federal, estadual ou municipal. Cada instituição pública deve possuir o seu Portal da Transparência acessível a qualquer pessoa. Prestação de contas é um dever legal de todo o sistema público (desde uma Escola até a presidência da República). Portanto, repito, um direito que assiste a cada um de nós.
No caso dos números relacionados à pandemia do novo coronavírus, vem se estabelecendo uma "guerra suja" de informações. Tomando o país como um todo, ninguém sabe ao certo o número de infectados, de pessoas que se relacionam ou mantiveram contato com o doente, muito menos os números reais de óbitos e de pessoas recuperadas. Há uma imensa interrogação pairando no ar.
Falhos os números e as estatísticas, forma-se um cenário no qual as pessoas estabeleçam as suas próprias "verdades e convicções". Cada qual pensa a seu modo, escolhe a sua própria informação (seja via imprensa, redes sociais ou pessoas, seja lá quem for). Vira o fulano disse isso, o fulano disse aquilo.
Pandemias ou epidemia sanitárias devem, antes de mais nada ser tratadas com informação, com números reais, com dados absolutos. É a partir daí que são formuladas metas, propostos diagnósticos, decisões e as formas de aplica-las. A desinformação é o sintoma do descontrole, da sabotagem pública e da falta de decisões firmes para com o cotidiano da população. Quando não se tem um mapa geral de uma pandemia, cada qual crê no que quer e toda e qualquer decisão será contestada e dificilmente aplicada.
Ou seja, ao escamotear os números reais da pandemia do novo coronavírus no país, o Ministério da Saúde e o Governo Federal agem como sabotadores sociais, tocando fogo no palheiro e confundindo a todos nós. Nada é verdade, nada é real, tudo se torna motivo para contestações e discussões acaloradas que não levam ninguém a lugar algum. Vira o "Deus nos acuda". A imprensa e seus canais de informação passam a ser vistas com desconfiança e descrédito.
Em todas as guerras civis (população x população), que podem chegar ao limite de um conflito armado local, regional ou nacional, a primeira batalha travada é a da informação. Formam-se "verdades absolutas" que passam a ser defendidas com "unhas e dentes". Como em todas as guerras, são estabelecidos os inimigos a ser combatidos e eliminados. A sociedade se torna o lugar do ódio e de tudo o de ruim que ele gera.
Caminhamos, ou querem nos fazer caminhar, para esse limite de intolerância e de clima hostil e odioso. Daqui há pouco, pode cair um meteoro na principal Praça da cidade que algumas pessoas dirão: "caiu um meteoro imenso na Praça". Outras dirão: "caiu nada, é intriga para alarmar a população". Um terceiro grupo dirá: "aviso divino". E muitos afirmarão: "coisa do diabo". O cientista especialista em meteoros que tentar explicar o fenômeno, correrá o risco de "falar ao vento".
Precisamos cobrar imediatamente do Ministério da Saúde que os números, todos eles, em relação à pandemia do novo coronavírus sejam diariamente divulgados. Sabemos que há subnotificações de casos, poucos testes e que casos e mortes relacionadas a esta ou outras doenças respiratórias estão sendo usadas para confundir politicamente a população brasileira. Mais do que divulgar diariamente os números nacionais, caba ao Ministério da Saúde aprimorar o combate à pandemia e formar um comitê gestor nacional. A "guerra civil" entre o governo federal, governadores e prefeitos já foi declarada oficialmente nesta manhã de segunda-feira, dia 08, pelo presidente da República ao dizer que ele "não tem nada a ver com isso e que a pandemia é culpa de governadores e de prefeitos".
A continuar assim, no "salve-se quem puder", chegaremos ao período do inverno (21 de junho a 21 de setembro) com muitas mortes, infecções, festas, churrascos e brigas, muitas brigas. Não descarto imensas manifestações de ruas de "ambos os lados", muita violência civil e militar e agressões mútuas pelas esquinas do país. Quem ganha com isso tudo são os traficantes de armas. Armada "mentalmente" a população já está. Falta chegar às vias de fato. Será a barbárie!
Opinião: Nicélio Amaral Barros (Historiador e Doutorando em História Econômica pela Universidade de São Paulo - USP)